Fernando Prass foi um dos principais personagens da conquista inédita da Copa do Brasil. O goleiro e capitão do time abusou da cera e da catimba, fez defesas difíceis, gritou sem parar com os companheiros durante a final contra o Coritiba. No fim, chorou de emoção. Abraçou o filho, levantou o diretor executivo Rodrigo Caetano no colo, ficou a marca de sangue na luva após ser atingido na cabeça por uma pilha arremessada por torcedores adversários. O GLOBOESPORTE.COM acompanhou atrás dos gols do estádio Couto Pereira cada passo do goleiro cruz-maltino.
A todo instante, Fernando Prass ajeitava o meião. Com o time no ataque, fixava bem o olhar torcendo pelos companheiros. Quando a bola estava com o Coritiba, passava a orientar a sua defesa. Nos cinco gols do jogo, repetiu o ritual de ficar embaixo do travessão e tocá-lo com as duas mãos antes de a bola voltar a rolar. Nos momentos difíceis, cavava uma falta ou valorizava uma defesa. Ganhava tempo. Foi o jogador mais xingado pelos torcedores do Coritiba. Por isso travou um duelo particular com o árbitro Sálvio Spinola.
contra o Coritiba (Foto: Ag. Estado)
Logo no início do jogo um pequeno estresse. Prass pediu ao gandula uma bola para deixar ao lado do gol e agilizar na hora de cobrar o tiro de meta. Só que acabou ouvindo um não e iniciou uma discussão, que rapidamente se encerrou em função do calor do jogo. Principalmente em função do primeiro gol do Vasco. Quando viu Alecsandro marcar, correu como um louco batendo no peito na direção da torcida vascaína. Comemorou sozinho, atrás do gol, esquecendo o passado pelo Coxa e como um verdadeiro cruz-maltino.
Mas em seguida vieram os gols do Coritiba. Tanto no de Bill como no de Davi, o comportamento foi o mesmo. Nada de reclamar com os companheiros ou ter alguma reação intempestiva – algo que diz nunca ter feito na carreira. Lamentou em voz baixa para si mesmo, ajeitou o meião e, pela terceira vez na noite, repetiu o ritual de encostar no travessão, respirar e ir até a entrada da pequena área esperar o recomeço do jogo. Prass admite que é mesmo uma mania que tem.
– É a hora de zerar, de começar de novo… Na hora em que fazemos ou sofremos um gol, a adrenalina sobe muito. Quando para embaixo da trave, respiro, estico os braços e volto a focar na partida. O goleiro é uma peça important,e que precisa orientar os companheiros o tempo todo. Se não fizer aquilo acabo me perdendo – explicou.
O único momento da partida em que reclamou em voz alta foi no gol de Willian, o terceiro do Coritiba. Apesar de a bola ter sido indefensável, Fernando Prass se cobrou muito. E acabou criando sua segunda confusão na noite ao tentar impedir que Bill buscasse a bola no fundo da rede. A atitude gerou irritação dos rivais e acabou tendo como consequência um cartão amarelo aplicado por Sálvio Spinola.
(Foto: Rafael Cavalieri / Globoesporte.com)
O árbitro, por sinal, acabou protagonizando cenas inusitadas com o camisa 1. Ao todo, Prass parou para ser atendido pelo médico Alexandre Campello três vezes no segundo tempo. A primeira foi sentindo uma dor no tornozelo direito nos primeiros minutos depois do intervalo. A segunda foi com o placar já em 3 a 2 após dividida com Bill. O goleiro esperneou de dor e chegou a tirar as luvas. Os jogadores do Coxa reclamaram de exagero, Sálvio tentou apressar o atendimento e acabou ouvindo reclamações do camisa 1.
A última intervenção foi em um momento decisivo, nos minutos finais, quando o Vasco era bastante pressionado. Quando dividiu uma bola no alto e levou a mão na lombar. Ganhou 92 segundos e o árbitro só adicionou um minuto nos acréscimos (dando, na verdade, apenas mais 30 segundos). Ali, Sálvio mais uma vez foi conversar com o goleiro. Depois, de cabeça fria e bom humor, Prass admite que tem um jogo de cena.
– A gente acaba esfriando o jogo. Não adianta, todos sabem fazer isso e os rivais também usariam caso estivessem com a vantagem. Mas eu senti dores sim (risos). E tive de ser atendido, não é? O Sálvio sabe. Futebol é isso, quem perde reclama mesmo – afirmou o camisa 1, que, como capitão, tinha de ser a voz dos jogadores em campo.
– Falei muito mesmo com o Sálvio. Mas é difícil comentar o trabalho dele. Tem muita pressão. Só que o Bill, por exemplo, fez seis faltas seguidas. Ele tinha de receber o amarelo. Eu mesmo tomei porrada, mas ele dizia que era falta de jogo. Aí eu ia lá e rebatia: “Falta de jogo? Tudo bem, mas seis seguidas pode?”. Eu tinha de defender o meu lado e acabei falando muito mesmo – admitiu.
‘A melhor derrota da minha vida’
A noite foi ainda mais especial. O título da Copa do Brasil foi seu primeiro como capitão. O gol da conquista acabou sendo o de Eder Luis e a reação quando ele saiu foi semelhante ao do primeiro. A diferença é que como ele estava longe da torcida vascaína, a corrida terminou com um abraço caloroso no médico Alexandre Campello e no fisioterapeuta Marcos Oliveira. Anderson Martins também o abraçou neste que foi um momento extremamente feliz em uma derrota. A frase resume bem o sentimento.
– Foi a melhor derrota da minha vida! É uma emoção incrível. Depois do pior começo no Carioca vemos o mesmo grupo terminar com uma conquista histórica. É exemplo de vida. Para quem, como eu, chegou ao Vasco na Série B, a conquista fica ainda mais saborosa. Escutamos muitas críticas covardes, sofremos demais, mas demos a volta por cima. Agora é comemorar – vibrou.
Fernando Prass comemora com o filho nos ombos | O abraço emocionado em Rodrigo Caetano |
Marca da pilha que atingiu a cabeça do goleiro | Na luva, o sangue fica como marca da conquista |
Veio o apito final e a explosão de alegria. Fernando Prass começou a correr de um lado para o outro. Atravessou todo o campo e foi até a torcida vascaína. Chorou. Como uma criança. Na hora de levantar a taça, uma pilha acertou a testa do goleiro. Na luva, a marca da batalha: o sangue gerado pelo machucado. Taça no ar, gritos de festa. O filho era levado nos ombros. A emoção não passava. Ao encontrar o presidente Roberto Dinamite, recebeu um forte abraço e palavras carinhosas.
– Você foi demais hoje – disse o dirigente.
Minutos depois veio o encontro com o diretor de futebol Rodrigo Caetano. Um longo abraço. Nova emoção de ambos os lados.
– O Vasco merecia muito este título. Lutamos muito. Cheguei em um momento muito difícil para o clube. Mas fomos nos levantando novamente, nos recuperando. E agora conquistamos este título inédito e muito importante. Não lembro de uma final tão difícil, tão dramática. Foi lindo – disse o goleiro.
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